No dia 10 de dezembro de 1948 a Organização das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ela foi gestada nos escombros na II Guerra Mundial e dos campos de concentração nazistas que torturaram e eliminaram milhões de seres humanos. Nasceu em tempo de advento como uma luz no meio das trevas, como um sinal de esperança para a humanidade.
Essa declaração se tornou uma referência importante nas lutas por direitos e justiça social no mundo. O reconhecimento (ainda que formal) da dignidade fundamental de todas as pessoas produz indignação diante de todas as formas de injustiça, discriminação e violência e mobiliza forças sociais na luta por direitos de grupos e setores sociais empobrecidos e marginalizados.
É verdade que há uma distância muito grande entre a afirmação formal/abstrata da dignidade do ser humano e a garantia real/concreta de meios que tornam possível uma vida verdadeiramente digna. Mesmo a incorporação dos Direitos Humanos na legislação de um país ou a criação de leis de afirmação e proteção desses direitos para setores empobrecidos e marginalizados não significa que eles sejam garantidos na prática. Basta comparar o que dizem as leis com a realidade concreta de nosso povo e com a interpretação e aplicação dessas leis pelos órgãos de justiça.
Mas é uma referência importante. Afinal, sem essa convicção da dignidade fundamental de todas as pessoas que se traduz e se concretiza em direitos reais/concretos não há porque se indignar contra a negação desses direitos nem porque lutar por eles. São dois aspectos que se implicam mutuamente: a dignidade humana como fonte e fundamento da luta por direitos (fundamento) e a luta por direitos como efetivação da dignidade humana (mediação). Sem esquecer jamais que o critério e a medida de reconhecimento da dignidade humana e de afirmação de seus direitos em uma sociedade são sempre os pobres e marginalizados (critério). A afirmação genérica/abstrata de Direitos Humanos (sem classe, raça, etnia, gênero etc.) pode se transformar numa forma sutil e cínica de indiferença com os seres humanos concretos a quem de fato são negados até os meios fundamentais de reprodução da vida (pobres, negros, índios, mulheres, população LGBT etc.).
E tudo isso é muito importante para os cristãos e as comunidades cristãs:
1) Não se pode esquecer que o fundamento último dos direitos humanos reside no fato de serem criados por Deus à sua “imagem e semelhança”. Atentar contra o ser humano (criatura) é atentar contra o próprio Deus (criador). E o verdadeiro atentado contra os seres humanos se dá na negação dos meios que permitem e possibilitam uma vida digna: terra, pão, salário, justiça, comunidade, respeito (direito, justiça, paz).
2) Não por acaso, a preocupação com “o pobre, o órfão, a viúva e o estrangeiro” estava no centro das preocupações do povo de Israel (Lei, profetas, sabedoria) e da vida/missão de Jesus (anúncio/realização do reinado de Deus). A tal ponto que Deus aparece em Israel como aquele faz justiça aos pobres e garante seus direitos (Ex 22,20-22; Dt 10,18; Is 61,1-3; Sl 72, 12-13; Jd 9,11; Pr 22,22-23) e “quem explora o necessitado ofende seu criador, quem se compadece do pobre presta honra a ele” (Pr 14,31); e os sinais do reinado de Deus que Jesus realiza e anuncia são sempre sinais libertadores dos pobres e marginalizados: curas, comensalidades, bem-aventuranças…
3) Os direitos dos pobres e marginalizados aparecem, assim, não apenas como expressão por excelência de afirmação e/ou negação dos direitos humanos, mas como direitos do próprio Deus, através dos quais Ele continua sua obra criadora e salvadora no mundo. Enquanto “povo de Deus”, “corpo de Cristo”, “templo do Espírito”, a missão por excelência da Igreja é cuidar de obra criadora, defendendo e promovendo os direitos dos pobres e marginalizados como direitos do próprio Deus e sinal de seu reinado de fraternidade, justiça e paz no mundo.